quinta-feira, 7 de abril de 2011

Não seja mala, mestre!

Alerta: Muralha de texto. Hooooooo!

É uma generalização grosseira até, mas boa parte dos jogadores de rpg já passaram - ou pior ainda, já fizeram - uma situação em que a decisão e o controle do personagem é feita pelo mestre.

Perceba que não falei em situações como acreditar em blefes ou se sentir intimidado, e sim cenas onde a decisão deveria partir do jogador.

Talvez, em busca de uma cena mais dramática, uma decisão que parece "óbvia" e "condiz com a personalidade de seu personagem", faz com que o jogador perca o controle temporariamente de seu personagem justamente porque o roteiro e desígnios do mestre assim o pedem.

Dessa forma, um jogador de um brujah (faz tempo...) não tem decisão sobre sair ou não de um combate. Ele é um brujah, oras, e brujahs lutam!

Pára tudo, aperta o freio. Como assim? A proposta do jogo não é que o personagem seja meu? Não é sou eu quem controla as ações dele?

Por exemplo, ao invés de perguntar o que o jogador faz quando está na porta da grande mansão do governador, o mestre começa a descrição da porta e corredores, terminando com um "você quer ir pra esquerda ou pra direita?". Todo processo de decisão foi eliminado para uma introdução "cinemática".

Outra coisa desagradável é enviar os personagens correndo e gritando com as espadas desembainhadas na direção do vilão, e aí, é óbvio, eles ficam parados encarando ele enquanto o maldito faz um discurso e termina-se com "rolem a iniciativa" e "fulano, você está mais perto porque... Hum... Eu quis".

Muito comum em aventuras prontas, onde há pequenas (se você for sortudo, serão pequenas) caixas de texto com os dizeres "Leia isso para seus jogadores", enquanto os personagens (e jogadores) ficam olhando enquanto o mestre lê em voz alta todo plano mestre e motivações do inimigo para transformar todos humanos em guaxinins-ornitorrincos e com isso criar uma nova ordem mundial.

Algumas aventuras prontas utilizam unicamente esse recurso como forma de passar a história; seguem uma estrutura rígida de forma que as ações dos jogadores não podem invalidar o roteiro e história previamente preparada, os jogadores tornam-se quase espectadores. Pior ainda quando o clímax é resolvido num duelo(épico) entre NPCs, o que faz com que a participação dos jogadores resuma-se a "seguir o npc chave até o final e assistir a luta".

E pro escritor, o que seria o clímax da aventura, com o parágono do bem enfrentando o poderoso vilão, na verdade não passa de um modo de transformar os jogadores em aprendizes de Falcão Bueno, cujo papel é comentar a luta.

Como quase tudo nesse jogo, se isso for feito de forma bem trabalhada, é -possível- que os jogadores venham a se lembrar como a luta entre dois campeões do bem e do mal (ou seja lá qual for a ideologia defendida por cada). Se for feito de forma ruim, vai ficar ainda mais evidente que as ações dos jogadores não valeram de nada no roteiro. Pra que se esforçar e se engajar no jogo, se no final, tudo que você faz é irrelevante? Bem, não deveria ser!

A famosa aventura "A Mais Longa das Noites", aventura introdutória de Reinos de Ferro (um ótimo cenário, alias) é ao mesmo tempo um exemplo clássico de "siga o npc até o final", com o diferencial de que apesar do livro ser uma história fechada, tem mais opções de "o que pode acontecer caso isso mude" que grande parte das outras aventuras prontas que já li. Claro que temos uma forte... sugestão de seguir a aventura nos trilhos (por exemplo, o livro admite que Alexia precisa escapar no final da primeira parte, senão não tem aventura). Então, se o mestre quiser usar os três livros que comprou, independente dos esforços dos PJs, vai deixar a Alexia fugir. Mesmo que amarrada e amordaçada por jogadores paranóicos.

(Obviamente, existem outras, mas esse exemplo foi mais relevante que eu lembrei, e que os livros eu tinha a mão.)

Ou seja, o verdadeiro problema não está em, ocasionalmente, tomar as rédeas da coisa toda de forma inteligente e levar o jogo adiante, mas sim em abusar do controle e fazer o máximo possível para evitar que os jogadores escapem do roteiro pré-definido que você se matou pra criar e decorar. A questão é: se o enredo é tão bom assim que deve permanecer intocado pelas decisões dos jogadores, o melhor é você aproveitar e escrever um romance com ele.

RPG: Serious Business

Aliás, vamos fazer um experimento interessante. Pare de ler isso e imagine que você está explicando "o que é RPG" pra uma pessoa que nunca viu isso e não sabe o que é esse jogo, nem nunca ouviu falar (talvez por alto).

Imaginou? Okay, deve ter sido algo como "Ah...É um jogo parecido com teatro, só que não tem um roteiro fixo, onde todos os participantes tem vez".

Ênfase nessa frase: Não tem um roteiro fixo.

Afinal, o mais importante do RPG (depois da diversão e das overdoses de coca, lanches e café) é montar uma história em grupo. Aliás, os jogadores não querem seguir uma história que só você inventou, porque provavelmente a sua história é baseada em FF7 ou Ocarina of Time e eles já tem isso em casa no playstation deles, com trilha sonora, button mashing, grind, gráficos bonitinhos, ninguém pra gritar com eles dizendo que estão tomando as decisões erradas no jogo e nenhum compromisso em ficar marcando sessão. (Exceto aquela maldita árvore Deku. Como eu odiava aquela maldita árvores.)

Mestres e jogadores deveriam trabalhar juntos na criação de uma história (nem sempre coesa, mas coletiva), mas por sem nenhuma chance de dúvida, divertida para todos ao redor da mesa (ou todos na sala de bate papo, ou fórum, ou o que seja). A visão do Mestre não é a mais importante e nem deveria ser a única, da mesma forma que um jogador "estrela" deve ser o mais importante da mesa, independente se é uma menina bonita que o mestre quer xavecar (me senti com 40 anos nessa expressão), melhor amigo, irmão, ou o oposto, um jogador que sempre pega os piores inimigos e situações, porque é alguém que o mestre tem algum conflito (fora do jogo).

Vamos ser honestos: Ninguém se diverte com isso. Por mais 'sutil' que seja o roubo, jogadores não são burros e percebem quando alguém tem poder e/ou importância a mais. Ainda mais quando não são eles!

Fazer com que a história gire ao redor de um personagem é possível, mas com a concessão e concordância de todos envolvidos. Já ouvi (e presenciei em mesa, o que é pior) causos horríveis de grupos que se fragmentaram por isso (alias, um dos meus grupos acabou por isso!). Se num determinado momento as decisões de todos jogadores menos um ou dois forem consideradas dentro da história, sem nenhum aviso prévio nem motivo real além da implicância alheia, tem realmente algo de errado aí.

Como dito antes, a interação com os jogadores pode, se encarada como algo relevante pelo mestre, levar a história original programada a diferentes rumos. Rumos que o mestre sequer cogitou. E isso é algo ruim? Depende de que lado do escudo do mestre você está. Se é um jogador, é maravilhoso: suas ações estão surtindo um efeito visível e o mundo de campanha é algo que você pode interagir. Para o mestre não-flexível, pode ser um pesadelo: são dias, e as vezes semanas (dependendo da organização do cara, meses) de preparação jogados fora, com a história tendo um desfecho diferente daquilo que foi planejado com antecedência, impedindo você de fechar as pontas soltas num final digno de obra de arte.

Sei que é uma afirmação bem exagerada pra em ambos lados, mas é uma verdade em escala menor. Ninguém planejaria uma campanha com duração de um ano e gostaria que seus planos fosse por água a baixo na primeira sessão, quando um jogador desconfiado / paranóico ataca e vence o vilão antes que ele traísse o rei, ou o espião que deveria ser um adversário recorrente e se redimir perto do final campanha.

RPG na Internet: Ainda MAIS Serious Business.

Acaba caindo no velho caso da flexibilidade e capacidade de improviso do mestre, e um bom "jogo de cintura". Um mestre rígido demais acabaria a campanha ali, e um mestre extremista, acabaria na hora; um mestre mais flexível utilizaria esse fato para que de alguma forma os resultados das ações do PJs, mesmo que atrapalhassem seus planos do grande vilão, pudessem ter um desfecho lógico.

Diga-se de passagem, um mestre flexível se permite o privilégio de ser surpreendido pelos jogadores, de ser desafiado a criar uma história coerente com acontecimentos fora de seu controle, possivelmente de até se emocionar com sua própria história, ou de ver ela se tornar algo ainda melhor diante de seus olhos.

Utilizando o mesmo exemplo, após os jogadores eliminarem o espião, essa atitude deles serviu para que se tornem alvo prioritário do vilão, já que foram capazes de interromper um plano dele. Além disso, os vilões raramente trabalham sozinhos. E seus aliados, seu clã, sua família? E se o rei não entender que as ações dos PJs foram na intenção de salvá-lo, e resolver punir os personagens com uma boa estadia na masmorra mais próxima por matar um de seus conselheiros sem provocação? São tantos "e se?" que um mestre esperto pode simplesmente remodelar o início da aventura pra algo condizente com a situação atual, e não perder seus "meses de preparação".

Enfim, são inumeras as possibilidades de conduzir um grupo até uma certa aventura sem puxar os personagens pelo cabelo até a fuça do vilão e dizer "rolem a iniciativa", não existe argumento que justifique o controle exagerado que certos narradores exercem em suas campanhas, já foi dito e aqui será novamente repetido: o importante do jogo é diversão, e poucos jogadores vão se divertir num jogo desses, especialmente depois de terem participado de jogos mais livres. Ou "menos sérios, pff" dirá o mestre mala.

Olha só outro termo nebuloso: "Jogar sério"

O que nos leva a outro péssimo hábito que alguns mestres tem, escolher qual vai ser o clima do jogo sem consultar seus jogadores, alguns dos exemplos mais comuns são ralhar com alguém ("você tá avacalhando com o jogo, velho! Tá achando que é brincadeira?") por causa de piadas que fizeram os demais rirem ("Quebrou o clima de tensão, menos 10% de XP"), fazer qualquer estratégia que não seja sacar uma espada e gritar "chaaaarge!" falhar - ou o oposto, colocar combates absurdamente dificeis, "vocês precisam resolver na estratégia, mey! É pra pensar!", mesmo que a estratégia seja obvia pra o mestre... porque como criador da única forma de vencer a criatura / inimigo (algo "intuitivo" como atingir o golem de 3 metros de ferro com um frasco de água benta para anular sua imunidade a tudo), é óbvio para ele (mas não para os outros).

Entre outras formas de "ditadura". Hmm... Isso pode ser expandido para outro artigo. Algum outro dia, eu acho.

Ps Importantíssimo: Esse artigo só pode ser feito com a imensa colaboração da DarkLady com seus eternos 13 anos, Wilken / Kear, capaz de fullparrear enquanto faz corner pressure e da Myako, minha namorada jailbait, sua linda!

tl;dr: Não seja mala, mestre!

3 comentários:

  1. Deve ser ótimo pra quem só quer saber de lutas mesmo x|

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  2. Muito bem colocado.

    Só é bacana lembrar que da mesma forma que o narrador deve anunciar o estilo do jogo(clima), os jogadores também têm o dever de explicarem se querem ou não... e se for um clima avisado e todo mundo concordar, não quebrá-lo(ex: jogo sério, suspense... e jogador fazendo piada, levando tudo como engraçado)

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  3. Adorei o artigo! O único sistema que eu mestro até então é Paranóia, que é um RPG de humor e que pede muitas vezes o improviso.
    Da última vez uma moça novata diante de centenas de agentes atiradores resolveu: "eu vou dançar"
    E ao invés de trucidá-los, o andar virou uma danceteria, o robô virou dj e etc.
    Tem vezes que o mestre tem que superar seu ego e lembrar que os personagens principais são os players.

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